Madalena, a mulher de cabelo de fogo


 

O Centro da cidade de Fortaleza possui dois tipos de público. Durante o dia é formado mais por comerciantes e por moradores de bairros mais afastados, consmidores em potencial, especialmente por entender que encontram produtos mais diversificados e baratos do que nos shoppings. 

Já à noite, numa aura sombria e suja, converge muito mais os mendigos, viciados e catadores de lixo. O mundo marginal fazia evitar naquele local a presença das famílias que buscariam, então, outras opções de lazer e compras durante esse período. Já por volta das 7 horas, quando muitas casas fechavam  suas portas, viam-se nas ruas aqueles que apressadamente se dirigem aos terminais de ônibus, metrôs ou estacionamentos, a fim de retornarem às suas casas. Nesse burburinho de gente, muitos ainda preferem frequentar os bares e quiosques das praças, a fim de aproveitar a hora do "rush" para confraternização, aliviar na bebida as agruras do dia ou os problemas nunca resolvidos.

 Paulo César gostava do Centro a qualquer momento e somente naqueles dois últimos meses havia evitado, porque se dedicou totalmente a cuidar de Marcela, a idosa com demência residente na Varjota. Como cuidador, não esqueceu que também precisava ser cuidado, e o centro era para ele uma terapia, um arejamento e um entretenimento.le sempre percebia algo novo no frenesi de ir e voltar de um lado para outro naquelas ruas retas e curvas, como se o microcosmo, formado por prédios antigos, praças degradadas, marquises decompondo-se, fosse apenas uma simplificação de toda a vida. A comida, naquela hora, era mais suspeita do que durante o dia. Mesmo com fome, tentou conter o apetite, pois sabia que os alimentos vendidos em lojas e restarantes não raro eram de má qualidade.

 Ora, se fosse enumerar todos os pontos negativos não seria um amante e sim um despeitado, ou como aquele homem imatura que ao brigar com a esposa busca outra mulher e assim nunca amadurece. Ele não buscava o espectro de uma nova Canaã, mas um um lugar que aceitasse sua maneira de ser, o desprezasse, porque era apenas um rosto na multidão. Assim, O que lhe faltava em sensibilidade para o mundo rural, as belezas primitivas da natureza sobravam na sensibilidade com a dureza do asfalto e o cimento, a urbanidade fria e desconfiada. Ali, sentia-se em casa, era o seu habitat desde sempre. 

A indiferença o acolhia com braços de madrasta ressentida e desprovida de poderes. Ele brincava de superioridade com o desdém, pois tal como numa disputa de queda de braço, ele sempre sairia vencedor. Entrava e saía nas poucas lojas que se encontravam abertas. Comparava preços, perguntava aos vendedores sobre promoções, formas de pagamento. Tinha interesse especial por roupas, calçados e bolsas para viagens. Desempregado, talvez fosse preciso sair da cidade. Um lugar particular do centro que mais gostava era uma alameda de ciprestes próximo à antiga estação ferroviária, hoje abrigando a pinacoteca do estado.Ali, na concentração de prostitutas, contemplava os mais vulneráveis nos seus afetos e carências. 

- Você tem cigarro? Perguntou uma morena miúda, de olhos apertados. Assim como Paulino, beirava os 40 anos, mas, ao contrário desse, com uma expressão alegre e jovial.
 - Eu não fumo, mas posso pagar para você.
Claro que ele já tinha conhecido antes e como. Mas ela não lembrava dele certamente.

Ela balançou a cabeça afirmativamente. Os dois foram até uma banca de revista e fez o pedido do cigarro. Quando entregou o maço, ela sequer esboçou um sorriso. Abriu, tirou um cigarro e acendeu com um isqueiro tirado de dentro da bolsa. 

- Quer trepar? 
-  Não. Hoje não. Procuro você outro dia.
- Talvez eu não esteja mais aqui. - Hoje não vai ser possível. 
- Vai viajar? Disse olhando para a mochila presa nas costas. 
- Estou chegando. - Não quer sentar? Disse apontando para um banco.
- Posso. Mas também não quero lhe atrapalhar. Pode aparecer um cliente, assim de repente... 
- Deve aparecer mais tarde.
- Como é o seu nome? 
- Sheila
-É o nome verdadeiro ou falso? Você tem mais cara de Madalena.
A morena se assustou.
- Madalena é o meu nome verdadeiro.
Madalena, com seus cabelos cor de fogo e os olhos cansados estava bem diferente de há muitos anos. Ela não parecia reconhecer o bondoso cuidador de idosos à sua frente. Mas Paulo recordava-se perfeitamente dela. 

Naquele instante, um turbilhão de lembranças brotou em sua mente. Há muitos anos, em um momento em que Paulo se sentia particularmente solitário e carente, foi Madalena que atravessou seu caminho. Ela apareceu sem aviso prévio, parecendo saber exatamente o que ele precisava naquele momento. 

 Paulo, então jovem e vulnerável, encontrou em Madalena um refúgio temporário, um ombro amigo e uma conexão humana única. Por algumas noites, eles compartilharam histórias e risadas, enquanto esqueciam, mesmo que por breves momentos, das tristezas e preocupações do mundo. Porém, a vida acabou os separando. Paulo continuou seu caminho, dedicando-se à sua missão como cuidador de idosos. E Madalena seguiu seu próprio destino, na dura realidade de sua profissão. 

 Agora ali, diante de Madalena, Paulo sentia-se invadido por uma mescla de emoções. Ansiava por saber se ela também se lembrava dos momentos que compartilharam, se lembrava daquele jovem carente que ela ajudou. Mas ao olhar para os olhos vazios de Madalena, Paulo percebeu que o tempo havia sido implacável com ela. O brilho que uma vez existira havia desaparecido, substituído por uma tristeza profunda. Paulo decidiu não revelar seu passado compartilhado com Madalena. Por mais que quisesse encontrar um fragmento daqueles momentos especiais em que ela lhe ofereceu o conforto que tanto necessitava, ele sabia que não poderia trazer de volta o passado.
- Você me conhece?
- Estou conhecendo agora. Foi um chute.
- Vamos para um motel.
- Hoje não. Amanhã estarei aqui.
Paulo foi embora e nunca mais se viram. 

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