As almas atormentadas dos Arrependidos Anônimos


 

Havia um pequeno e peculiar grupo de pessoas que se reuniam semanalmente em uma sala iluminada pela luz suave das velas em uma igreja da Parquelandia. Esse grupo de autoajuda tinha um propósito único: ajudar uns aos outros a reconstruir suas vidas, apesar dos fracassos e malogros das escolhas que fizeram. 

 O grupo era composto por diversos indivíduos, cada um com suas próprias histórias de arrependimento e desilusão. Silvio era um homem que se arrependia de ter se casado muito jovem, com uma mulher que não compartilhava seus sonhos e desejos. 

Sandro, por sua vez, lamentava ter seguido uma carreira que não o realizava profundamente, sentindo-se preso em um emprego monótono e desinteressante. Mas essas não eram as únicas histórias que se encontravam naquele círculo de pessoas. Havia Mario, que se arrependia de ter deixado a paixão pela música de lado para seguir uma carreira corporativa segura e estável. Carla, por sua vez, lamentava ter se afastado de sua família em busca de independência, percebendo agora o quão importante era o apoio e os laços familiares. 

 Através de encontros semanais, essas almas desiludidas trocavam experiências, compartilhavam suas dores e buscavam formas de se reerguer. Juntos, descobriram que o primeiro passo para reconstruir suas vidas era aprender com os erros do passado, sem carregar o fardo do arrependimento. Ao invés disso, focavam-se em como poderiam transformar suas vidas a partir de agora.  Silvio, por exemplo, encontrou coragem para ter uma conversa aberta com sua esposa, explorando a possibilidade de encontrar interesses em comum que poderiam revigorar seu relacionamento.


No entanto, havia históricos de recaídas  em depressão. Celina, conhecida como "a muda" devido à sua timidez e dificuldade em se expressar verbalmente, frequentava regularmente as reuniões do grupo de autoajuda dos Arrependidos Anônimos. Sua história era um mistério para os outros membros, já que ela nunca havia divulgado o motivo de seu arrependimento. 

Estava presa a um relacionamento abusivo. o marido tinha uma personalidade fria e reservada, que o levava a evitar qualquer tipo de comunicação ou interação com sua esposa. Seu mutismo radical criou uma enorme lacuna na relação entre eles, deixando a esposa constantemente à beira dos nervos, ansiosa e frustrada.

A falta de comunicação nesse relacionamento afetou profundamente a esposa, pois ela se sentia ignorada e rejeitada. Ela desejava  desesperadamente estabelecer uma conexão emocional com seu marido, mas ele se fechava completamente, deixando-a confusa e insegura. Isso fazia com que se sentisse constantemente isolada e solitária.

Essa situação colocava uma pressão constante sobre a esposa, pois ela tentava de todas as maneiras possíveis se fazer ouvida e compreendida. Ela se esforçava ao máximo para criar oportunidades de diálogo, mas parecia que seu marido era incapaz ou não tinha interesse em se abrir para ela.

O mutismo radical criou um ambiente tenso e desgastante para ambos. A esposa não conseguia  expressar suas emoções, preocupações ou desejos, o que frustrava ainda mais a sua ligação como casal. A ausência dessa comunicação saudável levou  ao acúmulo de tensões e problemas não resolvidos, tornando cada vez mais difícil para a esposa lidar com seus nervos a flor da pele.

 A verdade é que Celina carregou até a alguns dias ao sumir do grupo um segredo doloroso. Ela acreditava ter sido a responsável pela morte de seu marido, envenenando-o lentamente ao longo dos anos. Essa angústia e culpa constante a consumiam por dentro, tornando-a uma pessoa reclusa e triste. Ela lhe administrativa doses regulares do inseticida clorpirifós, que somente  depois descobriu-se que era inócuo e, inclusive, liberado pela Anvisa, como defensivo agrícola. 

- Não gostaria de falar alguma coisa Celina? Perguntava  o coordenador.

A mulher, a exemplo do marido, continuava muda e imersa no tormento de sua alma. Havia o temor de que ela tivesse uma recaída ainda mais forte, pois já tentará o suicidio outras vezes, mas acabava sendo internada por anorexia e insônia.

 Porém, um dia, Celina se jogou de um edifício de oito andares, localizado no centro de Fortaleza. Teve morte instantânea. Depois, a polícia encontrou em sua casa o seu aparelho celular com uma mensagem de voz no wattsapp, a qual ela não chegou a ouvir. Era uma voz desconhecida até para os mais próximos da muda que lhe revelou a verdade que ela tanto temia enfrentar: seu marido havia falecido de câncer, uma doença que ele escondia dela para protegê-la emocionalmente.

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